terça-feira, 3 de abril de 2012

Martha Medeiros, mãe do Nero

Para quem não leu, neste domingo, a coluna de Martha Medeiros, reproduzo abaixo:

Há dois anos, adotei um gato de rua. Batizamos de Nero e hoje ele faz parte da família. De três em três meses, levamos o Nero pra revisão, o que significa, basicamente, tomar banho e cortar as unhas. Todos os funcionários da clínica já o conhecem. Da última vez, liguei para marcar hora pra ele e me anunciei.

– Aqui é a Martha, mãe do Nero.

Mãe do Nero? Sou mãe da Julia e da Laura, não sou mãe do Nero. Antes, me anunciava como dona do Nero. Mas não soava bem. Há uma certa arrogância em se proclamar dona de um ser vivo. Muitos compram um mascote como compram um relógio ou um liquidificador, e somos proprietários daquilo que adquirimos, mas eu não adquiri o Nero. Então troquei o “dona” por “mãe” e me senti patética, porem mais à vontade. Se mãe é quem cria, sou mãe.

Meu Deus, o que estou dizendo.

Sempre considerei exageradas as relações que algumas pessoas têm com seus bichos. Sei bem do amor que se sente por eles e a triste dor da perda quando eles morrem, mas nunca compactuei com uma certa histeria politicamente correta que faz com que se force a barra no protecionismo. Semana passada, escrevi aqui sobre a diferença entre existir e viver, usando a fissura pela internet como exemplo de alienação, e lá pelas tantas disse que minhas filhas também eram vidradas na web e só dando com um gato morto na cabeça delas para fazê-las entender que a vida acontece fora das redes sociais. Pra quê. O “gato morto” passou a ser o assunto principal da crônica, houve quem não perdoasse eu ter feito alusão a uma cena de desenho animado. Como é que levam a sério uma bobagem dessas?

As pessoas podem escolher as causas pelas quais querem lutar, e é importante que todas as boas causas arrebanhem defensores, incluindo aí as causas em defesa dos animais. Mas que não se perca a leveza. No dia-a-dia, usamos um sem-número de expressões que são apenas reforços de linguagem – nenhum torcedor pensa mal da mãe do juiz, ninguém planeja de fato esganar o ex-namorado, mas a gente diz isso a torto e direito só pra se divertir, extravasar, senão a vida fica certinha demais.

Reconheço que bichos costumam cumprir o que muita gente não cumpre: ser fiel na alegria e na tristeza, na saúde e na doença. E salvam inúmeros solitários da depressão absoluta. Daí a nos ofendermos com “atirei o pau no gato” ou nos intitularmos mãe e pai deles, é um exagero.

Não sou mãe do Nero. Nem sua dona, que gato não tem dono, nasce e morre independente, dono de si mesmo. Eu apenas o alimento, o protejo, o acaricio, brinco com ele, às vezes me subordino a ele, fico meio boba com sua beleza, me preocupo com seu bem-estar e o chamo de bebê muito antes da Christiane Torloni massificar o termo.

– Sim, mãe do Nero, a própria.


Sim, mami tem muito orgulho de ser minha mami (e eu também de ser o bebê dela....). E com tanto carinho, tanta lealdade, tanta cumplicidade, como não ser mãe e filho numa relação que tem momentos tão fofos, como o abaixo?



Um comentário:

  1. Adorei o texto! Eu posso dizer que sou mãe das minhas gatas e meus cães, afinal, meus filhos eram pequenos quando os peludos chegaram e todos cresceram juntos em muita harmonia! Agora meus filhos humanos já estão partindo e são os peludos que me fazem companhia e me dão tanto amor!
    Também não gosto de gente que leva as palavras tão a sério, precisamos rir um pouco através de palavras inocentes!
    Beijos
    Laís

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